Que os poderes legislativos Nacional, Estadual, Distrital e Municipal falham, gravemente, em suas ações parece não haver dúvida alguma na sociedade em geral. No entanto, queremos falar de algo mais particular e mais voltado para o princípio da participação popular na administração pública municipal, um dos pressupostos da ideia de república, há séculos.
Esse pressuposto tem sido tranquilamente matado por presidências das câmaras municipais, algumas promotorias de justiça, Tribunal de Contas Estadual e, logicamente, também, por muitos de nós, quando optamos pela suposta mera “omissão” ou pela grave “conivência”, pois ambas são “assassinas”, no dizer de Heloísa Helena. Estamos a tratar da disponibilização das contas municipais à sociedade. E, convenhamos, não é por faltar normatização ou retórica de transparência. Aliás, nos meados do 1º meio Século de vida, em Belo Horizonte, ouvi o saudoso Betinho dizer mais ou menos isto: “regra geral, quem quer fazer o mal não tem medo da lei; quem que fazer o bem não precisa da lei”. E claro, ele aceitava muito bem as ideias contrárias a esse dizer.
Há 23 anos a atual Constituição brasileira(Cb) adveio da síntese de lutas e de anseios populares. Como esqueleto da organização e da ação do Estado brasileiro diz-nos que somos um Estado Democrático de Direito, onde o exercício do poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido, sendo que o atuar administrativo sempre tem por norte o interesse do povo e a sua participação nas decisões sobre o seu próprio destino.
Para dar concretude à ideia principiológica e não ouvir ninguém dizer “não sabia’, cunhou normas objetivas. Daí seu artigo (art.) 31, parágrafo (§) 3º, estipular que
“As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade [...].
“contribuinte” porque, mesmo sem saber ou impotente, pagam-se tributos e “legitimidade” porque é um princípio superior ao da legalidade. Ampliando o espaço de fiscalização, em complemento ao sentimento inicial da Cb, a Lei de Responsabilidade Fiscal(LRF), em seu art. 49 tachou que
“As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo (Câmara Municipal) e no órgão técnico responsável pela sua elaboração (Secretaria Municipal de Finanças), para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.”
Sem querer atrás ficar e até plagiando, a atual Constituição alagoana(Ca), em seu art. 36, § 2º, tacou:
“As contas do Município ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, que poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.”
Ademais, o Estatuto da Cidade (ESCI), que deveríamos saber de cor e salteado, na maioria de seus artigos, impõe o direito à participação e, então, a gestão democrática, como um dos fundamentos garantidores da construção da qualidade de vida em cada município. Temos certeza de que pouca gente já sentiu o cumprimento das regras, Nacional e Estadual, acima mencionadas.
Mas....
Infelizmente, a situação ainda é pior, pois as câmaras municipais, por suas mesas diretoras, deixam de cumprir a própria LOM (Lei Orgânica Municipal) que votaram, quando esta determina a disponibilidade das contas municipais e da câmara, antes da remessa das mesmas ao TCE. Em resumo, leia o que dizem algumas LOM a que o FOCCOPA (Fórum de Controle de Contas Públicas em Alagoas) teve acesso, quando das edições da ExpoContas Públicas ou do Seminário Sobre Orçamentos e Balanços Municipais:
São Sebastião, art. 33, § 1º: “As contas deverão ser apresentadas (pelo Prefeito à Câmara) até noventa dias do encerramento do exercício financeiro (30/03).” e § 3º: “Apresentadas as contas, o Presidente da Câmara as porá, pelo prazo de sessenta dias, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, na forma da Lei, publicando edital.” e § 4º: “Vencido o prazo do Parágrafo anterior, as contas e as questões levantadas serão enviadas ao Tribunal de Contas, para emissão de parecer prévio.”
Palestina, art. 16: “As contas do Município ficarão a disposição dos cidadãos durante 60 (sessenta) dias, a partir de 15 (quinze) de abril de cada exercício, no horário de funcionamento da Câmara Municipal, em local de fácil acesso ao público.” e § 1º: “A consulta de contas municipais poderá ser feita por qualquer cidadão, independentemente de requerimento, autorização ou despacho de qualquer autoridade.” e inciso I do § 4º: “a primeira via (da “reclamação”-manifestação) deverá ser encaminhada pela Câmara ao Tribunal de Contas [...] mediante ofício;”
Santana do Ipanema, art. 30: “[...] sobre as contas, que o Prefeito e a Mesa da Câmara deverão prestar anualmente.” e §1º: “As contas deverão ser apresentadas até (60) sessenta dias do enceramento do exercício financeiro (28/02), sob pena de responsabilidade.” § 2º: “Apresentadas as contas, o Presidente da Câmara porá pelo prazo de (60) sessenta dias à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhe a legitimidade.” e § 3º: “Vencido o prazo do parágrafo anterior, as contas e as questões levantadas serão enviadas ao Tribunal de Contas para emissão do parecer prévio;”
Arapiraca, adaptando-se a redação do art. 29 e do § 1º tem-se: “[...] as contas do exercício anterior que o Prefeito e a Mesa da Câmara deverão prestar anualmente à Câmara Municipal, dentro dos sessenta dias após a abertura de cada sessão legislativa;” e § 3º: “Apresentadas as contas, o Presidente da Câmara as porá, pelo prazo de sessenta dias, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhe a legitimidade, na forma da lei publicando edital;” e § 4º: “Vencido o prazo do parágrafo anterior, as contas e as questões levantadas serão enviadas ao Tribunal de Contas, para emissão de parecer prévio;”
Maceió, art. 41: “[...] as contas que, anualmente, até noventa (90) dias após o encerramento do exercício financeiro, prestarão o Prefeito Municipal e o Presidente da Câmara.” e art. 42: “A Câmara Municipal facultará aos contribuintes, pelo prazo de sessenta (60) dias, o exame das contas apresentadas, podendo qualquer deles questionar-lhes a legitimidade, mediante petição por escrito e assinada perante a Câmara Municipal.” e § Único: “Acolhendo a Câmara Municipal, por deliberação de seus membros, a impugnação formulada, fará dela remessa ao Tribunal de Contas, para a sua apreciação, e ainda ao Prefeito Municipal, para os esclarecimentos que reputar pertinente.”
Olho d’Água das Flores, art. 27 e § 1º, adaptando-se: “[...] as contas que o Prefeito e a Mesa da Câmara deverão apresentar anualmente à Câmara Municipal, dentro de sessenta dias após a abertura de cada sessão legislativa [...];” e § 3º: “Apresentadas as contas, o Presidente da Câmara as porá, pelo prazo de sessenta dias, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhe a legitimidade, na forma da lei, publicando edital;” e § 4º: ”Vencido o prazo do parágrafo anterior, as contas e as questões levantadas serão enviadas ao Tribunal de Contas, para emissão de parecer prévio;”.
O FOCCOPA também verificou que em Olho d’Água do Casado, Jirau do Ponciano, Jacaré dos Homens, Igaci, Pão de Açúcar, Craíbas, Coruripe, Feira Grande, Ouro Branco, Porto Real do Colégio, Monteirópolis, Olho d’Água Grande, Poço das Trincheiras, Olivença, Piaçabuçu e Campo Alegre, e, com certeza, em outros municípios, as respectivas LOM têm artigos com determinações bem semelhantes às que acabamos de lê, que também não são cumpridas.
Sem exceção, as LOM que consultamos determinam os prazos para a prefeitura remeter a prestação de contas à câmara e para a mesa desta, informando à população, colocar as mesmas à disposição da sociedade e, decorrido o prazo com ou sem a manifestação de alguém, remetê-la ao TCE.
Tudo céu, se nada dependesse de cada um nós e, menos ainda, de nossas, digamos, autoridades, que teimam em esquecer a meta, mas espalhar o meio de campo. Não se sabe o porquê o TCE deixa de identificar tantas irregularidades quando elabora o parecer prévio ou faz auditorias, inclusive o não cumprimento de cada LOM pelas prefeituras e pelas presidências das câmaras.
Quando comparam-se os pareceres prévios e as auditorias do TCE com as do TCU (Tribunal de Contas da União) e da CGU (Controladoria Geral da União), tem-se a certeza de algo tramita muito errado nas instituições e no território alagoanos, eis a razão dos péssimos índices sociais que carregamos nas costas de todos e nas consciências de alguns poucos.
No entender do Fórum, as promotorias de justiça, como instituições de “fiscal da população”, “guardião da lei” ou “órgão de combate à corrupção administrativa”, também pecam. Têm o dever funcional de agirem por iniciativa própria ou “de ofício”, como disse um Procurador de Justiça quando proferia palestra em uma das edições da ExpoContas Públicas em Arapiraca. Se não se responsabiliza de primeira os gestores, algo razoavelmente aceitável, poderiam, no mínimo, editar recomendações às presidências das câmaras para cumprirem as regulamentações, em especial a LOM.
Aliás, desde 2006, o Fórum tem percebido que o próprio TCE não observa o cumprimento de cada LOM, pois recebe diretamente de cada prefeitura o Balanço Municipal. Este deveria ser encaminhado por cada câmara, após fluir o prazo para manifestação da sociedade, acompanhado da informação de que houve a divulgação (observa-se que os municípios fazem, em verdade, irregular e constante promoção pessoal do respectivo gestor, a título de “informação”) e o cumprimento do prazo de “exposição”, bem como se houve ou não alguma manifestação da sociedade.
Como também o TCE não cumpre cada LOM, as presidências de câmaras dizem que “nunca” receberam o Balanço Municipal da prefeitura, conforme foi dito por um presidente e por uma presidenta de câmara a um dos coordenadores do FOCCOPA, recentemente. Aliás, ambos demonstraram muita surpresa com a cobrança do cumprimento da LOM e preocupados que o fato se tornasse público, pois seria mais um “escândalo da câmara, como gosta a imprensa”, arrematou a Presidenta. Ela apenas esqueceu que a imprensa não fabrica irregularidades e descumprimentos de regulamentações nos poderes municipais.
Bem estranha é a forte dissimulação para convencer desprevenidos e o “ar” de surpresa que muita gente demonstra, quando tem a responsabilidade ou a omissão questionada. Quase sempre ninguém sabe de nada. No entanto, quando a conversa não é de cobrança de atitudes de combate à impunidade e à corrupção, a fala é minuciosamente articulada sobre os diversos fatos criminosos e improbidades administrativas, bem como sobre quem seriam os praticantes. Demonstra-se profundo conhecimento sobre a situação e os envolvidos. Chega-se a citar nomes. Daí as ações indicarem que os malfeitores acreditam na impunidade, nem que seja pelo acolhimento da prescrição, como se esta fosse por acaso e não houvesse culpados de vários naipes.
Há tempos, a sociedade espera, apenas, que muita gente faça uma árdua mudança de atitude e cumpra com o respectivo dever de ofício e funcional, bem como a cidadania não seja omissa e conivente.
Enfim: “É por essas e outras que é muito difícil o combate à impunidade e à corrução”.
FOCCOPA-Fórum de Controle de Contas Públicas em Alagoas; imeio:fcopal@bol.com.br; blogue:fcopal.blogspot.com – redação: Jose Paulo do Bomfim - texto escrito, inicialmente, escrito para divulgação em São Sebastião e,depois, ampliado para divulgação em outros municípios e na imprensa em geral.
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